Lilian Piovesan
A entrevista da escritora portuguesa Dulce Maria Cardoso dada ao jornalista Ricardo Viel (“A importância de lembrar e de esquecer”) me fez pensar por que escrevo. Na entrevista, a escritora diz que criava mundos paralelos desde pequena para se entreter. Pronto, pensei, eis o motivo. Eu escrevo desde que tinha pouca idade, nenhum juízo e muita imaginação.
Por que escrevo? Porque a realidade para mim era sempre mais rasa e sem graça. Inventava mundos, histórias, namorados, lugares. Inventava a verdade que eu queria. Bom, pelo menos no meu mundo.
Uma vez, muito mais do que uma até, amei mais os garotos inventados que aqueles meninos bobos, que só queriam saber de jogar bola, rir das meninas e passar a mão em lugares do meu corpo que eu nem havia imaginado sentir excitados. Às vezes eu saía vestida com os sapatos de minha mãe e o batom mais vermelho que eu encontrava, e vivia as histórias, como se fossem reais. Sentia cada uma das sensações, de prazer, de alegria, de raiva, de surpresa.
Lembro que eu queria ser freira, me vestia com um lençol bem clarinho, punha uma fronha na cabeça e explicava para ouvintes imaginários o que uma religiosa sentia por dentro. Nessa hora, vinha um fogo, uma ardência, e eu desistia de tentar ser santa.
As festas às quais eu ia eram povoadas de gente que eu não conhecia, mas tinham aparência de artistas, cantores cabeludos, barbados, de cigarros na mão. Esses eram os homens que os meninos se tornavam, claramente interessados em mim.
E lia, lia muito. Devorava as histórias de amor; não de princesas chatas que esperavam beijos sem graça de príncipes que pareciam de vidro. Gostava das mulheres que iniciavam as conversas e se entregavam aos seus prazeres, e dores. Ah, como eu gostava de um drama!
Os livros fizeram a minha adolescência solitária e entediante se transformar num lugar onde eu me sentia melhor. Assim como a escritora portuguesa, descobri maravilhada que a escrita era a nossa forma de nos relacionar com o mundo.
Porque escrever é construir um mundo em palavras. É a forma como você escolhe dizer o que quer dizer. Bom, se você tem alguma coisa para dizer, é claro.
